STOP CAVEIRISMO

Estamos diante da era ismo, a verbalização de tendências que dominou a moda. Hoje para qualquer seguimento fashion existem as blogueiras, responsáveis por boa parte dessa popularização, que resolveram usar do artificio sufixal ismo para criarem novas palavras, na tentativa de trazer tendências internacionais para a língua portuguesa. Soa como se não bastasse nosso vasto vocabulário para descrever peças ou modismos europeus, e tivéssemos necessidade de criar palavras novas para isso. Inventaram o anelismo para falar sobre a ring trend sendo que poderiam facilmente tratar do assunto com duas simples palavras, tendência de anéis. A princípio uma grande dose de criatividade encheu as ideias de uma pessoa e ela deu inicio aos ismos, que facilmente ganharam seguidores entendidos de igualável esperteza e que passaram a reproduzir essas novas palavras, como o pulserismo e o insetismo. Deve existir algum prazer relacionado a esta atividade de criação, auto-admiração na propriedade literal. Quem criou essa prática de traduzir palavras em inglês e adicionar ismo ao final delas? Abaixem os dedos acusadores! A liberdade com que se cria informação hoje em dia, é grande responsável por esse evento de nomenclatura desembestada da moda. A culpa é desse modismo de ismo, que se espalha rapidamente nas redes sociais e blogs, tratando conceitos e grandes inspirações de forma superficial. Afinal facilitar o vocabulário também acaba por deixar a ideia ordinária.
Analisando um caso especial, o símbolo da caveira vem perdendo o significado devido ao uso excessivo de sua imagem. Hoje a figura do crânio está impressa em camisetas e saias; aparece nos acessórios cravejada de diamantes ou banhada a ouro; está na bandana, pulseira, lenço, no chapéu e em variados outros itens. Seguindo o exemplo de outras tendências, deram o nome para essa de Caveirismo. É de se espantar, aos de boa memória, que hoje a caveira é um dos símbolos preferidos de menininhas, ganhando cores alegres e sendo glamourizado o que vai na contra-mão do que esse símbolo veio um dia a representar. O simbolismo antes mesmo das palavras, existe para se educar através de figuras representativas de um conceito completo. A caveira representa a priore o medo, o perigo, a morte; foi  um dos ícones dos anos 80, e mesmo antes disso, nunca teve sua imagem abusada como agora. Fez parte da cultura underground, símbolo dos movimentos punk, gótico e heavy metal, teve sua imagem usada a exaustão representando por muito tempo o espírito rebelde e transgressor de milhares de bandas de rock e entendedores do que a caveira realmente significa. O culto ao avesso, o simples exibicionismo do absurdo, oposição ao belo, a superficialidade, a inquietude da verdade de um espírito livre. It girls desse mundo entendem esse ícone como deve ser compreendido? 
Não há ligação nenhuma entre a desmistificação da caveira e a moda. Um modelo completamente tatuado com desenhos que reproduzem um esqueleto, Zombie boy é o fenômeno atual da moda, uma caveira fashion mas ainda sim expressiva, punk, escrachada. Os fashion designers a muito tempo usam esse simbolo como inspiração, revelando grandes obras de extremo bom gosto e boa técnica, mas respeitando as características da caveira, com infinitas possibilidades de contexto. Alexandre Herchcovitch, renomado estilista nascido em São Paulo, emprestou sua vivencia dos clubes paulistanos para sua obra, e também grande parte de sua visão foi construída pelo submundo misterioso da noite. No começo da carreira, que começou em 1993, suas peças eram modernas e desafiavam a moda brasileira da época com uma vibe underground e subversiva. Logo a caveira apareceu em suas peças, como uma das fortes representantes de sua assinatura, a camiseta de caveira surgiu enquanto ele fazia um curso de desenho, como explica Alexandre nessa declaração à revista Elle:
  • "Desenhei com nanquim no papel vegetal, gravei a tela e silkei de presente para o David. [David, Pollak, stylist de moda e amigo de Alexandre.]"
STOP CAVEIRISMO_zombie boy_tatuagem de caveira_alexandre hercovitch_maquiagem de caveira_caveirismo
Rick Genest o Zombie Boy à esquerda; desfile Alexandre Herchcovitch inverno 2010 ao centro; e o desenho marcante da caveira de Herchcovitch à direita.

Alexander McQueen é outra marca que usou a caveira em suas criações. Diferente de Herchcovitch que sempre optou pelo contraste forte para estampar sua marca, McQueen glamorizou o crânio tirando ele das passarelas e levando paras ruas. Depois que o estilista criou um cachecol com print de caveirinhas, famosos passaram a consumir por todo o mundo e consequentemente o item foi mais visto e desejado. Outras marcas piratearam a peça que podia ser encontrada em qualquer lojinha de bairro. Alexander McQueen pode ser visto como um popularizador da caveira, até hoje a marca abusa do ícone em suas coleções, como a recente febre provocada pela clutch com fechador de caveiras. A etiqueta bordou, banhou de ouro, cravejou de brilhantes, transformou em acessório, será ela a culpada pela popularização da caveira?
Seguindo a linha do rock, o seguimento emocore, gênero musical com som melódico e letras depressivas, teve inicio em 1980, mas foi em 2000 que entrou definitivamente na cultura popular. O estilo de se vestir dos emos é bem característico e apesar da inspiração no hardcore punk, após o boom do estilo emocore, eles incrementaram alisando os cabelos, usando grandes franjas, olhos marcados, calças justas, preto com rosa e muita caveira. A figura da caveira mudou nesse momento, ficou mais feminina e colorida. Ganhou forma de coração no lugar dos olhos e até laçarote rosa. A cantora pop punk Avril Lavigne  é adepta desse look e naturalmente ajudou a massificar o visual porque milhares de meninas passaram a copiar sua ídolo. Tanto foi a procura pelas peças, que Avril aproveitou para lançar sua própria marca de roupas, se tornando uma estilista de extremo sucesso entre as teens.

STOP CAVEIRISMO_Avril Lavigne_caveira rosa_Pink skull_caveira com lacinho_anel de caveira_pulseira de caveira

A caveira se tornou feminina, ainda que ligada a rebeldia como no caso do efeito Avril, ela correu para os braços das mulheres. Elas dominaram. Quando as empresas e a moda perceberam essa procura, trataram logo de produzir aos montes, milhões de produtos estampados ou no formato de caveiras. Ali se perdeu o real significado, aquele do qual se muniram os punks em tempos anteriores, o que se orgulhavam em exibir no peito em forma de crânio ósseo, branco no preto. Massificaram, calaram a voz da origem da caveira, de cultos macabros, da obra de Shakespeare, do perigo. Acabou. Hoje todas elas usam, "_Olha, é o caveirismo!" A frase que praticamente obrigou várias dessas blogueiras de looks diários a repetir a fórmula por aí. E a contaminação está solta. Sim, todas elas usam caveira. Aquelas descrentes do que um dia representou a caveira, antes julgavam o estilo rockeira. Usa Avril, usa Demi Lovato, usa Selena Gomez, e só isto basta para elas usarem também. É ofensivo para quem entende a transgressão, ou quem usava caveira antes desse tal caveirismo aparecer, quando é inserido em tamanha sujeira e descaso do consumismo desenfreado. A imagem da caveira infelizmente está desgastada, o ismo da vez amaldiçoou toda uma geração e todo um propósito de pensamento. Acusar é errado, visto que a origem da contaminação não é específica, mas acusado se sinta a contaminada que lendo esse post tem uma blusa rosa de caveirinhas cute no armário. Pare o ismo, pare tudo, busque entendimento e pare o caveirismo agora. 

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Um comentário:

  1. Concordo em gênero, número e grau! Também acho que depois da moda as caveiras ficaram muito banais, aliás, toda e qualquer coisa é assim, não é mesmo? Bandas se enchem de posers com o sucesso, e os fãs verdadeiros acabam rotulados. Com as caveiras não foi diferente. Com essa explosão de caveirinhas rosas, com strass, fofinhas, cute, o verdadeiro significado foi perdido. Ou será que essas garotinhas tem noção de que estão pintando o SÍMBOLO DA MORTE de rosa?

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